
E finalmente chegou o momento de falarmos sobre um legítimo representante dos filmes trash nesta coluna. Sim, por incrível que pareça há toda uma cultura e uma grande quantidade de fãs destes longas que tem como suas principais características o baixo orçamento e a péssima qualidade de suas produções.
Não por acaso, “A Coisa” (The Stuff no original) tem direção e roteiro assinados por Larry Cohen (1941 – 2019), cineasta cuja filmografia conta com pérolas como “Maniac Cop” (1988), filme que ainda rendeu duas continuações em 1990 e 1993.
O filme começa com um trabalhador caminhando na neve quando se depara com uma espécie de gosma branca borbulhante que parece brotar da terra; agora, de todas as atitudes possíveis diante deste cenário, possivelmente a mais insensata seria experimentar a gosma desconhecida, certo? Certo, pois é exatamente o que o sujeito faz, descobrindo que ela é na realidade muito gostosa.
Em pouco tempo, há “Stuff” em todas as prateleiras de supermercado, caindo no gosto do povo norte-americano, que não faz a menor ideia de sua origem. As vendas de outras sobremesas despencam, fazendo com que os empresários do ramo do sorvete contratem David Rutherford (Michael Moriarty) para investigar e descobrir qual a fórmula secreta do misterioso produto.
A coisa toda fica mais interessante quando Rutherford, com a ajuda de Nicole (Andrea Marcovicci), responsável pela campanha de publicidade da “Coisa”, que acredita e engata um romance com ele de uma hora para outra sem qualquer explicação decente, descobre que a sobremesa não é apenas viciante, mas está viva (viva mesmo, não com lactobacilos vivos como no Yakult), devora quem a consome por dentro e os transforma em zumbis.
O leitor poderá se perguntar como é que um produto desses foi aprovado para venda em território norte-americano; o filme não se aprofunda, mas todos os que aprovaram a comercialização da “Coisa” ou estão mortos ou fora do país, ou seja, encheram os bolsos ou pagaram com a vida.
É claro que há uma crítica nada sutil aqui, o público não sabe do que é feita a “Coisa”, só sabe que é gostosa e que alguém aprovou sua venda, portanto, é segura. Um cientista questiona se não há nenhuma lei que exija a identificação do conteúdo. Como resposta, ele houve de um engravatado que o produto está protegido pela lei dos componentes de fórmulas, a mesma lei que protege a fórmula do xarope de um refrigerante conhecido, e para não deixar dúvidas sobre qual é, ele segura uma lata de Coca-Cola.
Produtos que fazem mal à saúde e que se consumidos em grande quantidade viciam, lotam as prateleiras das lojas, com açúcares e conservantes de sobra e nutrientes de menos, a diferença é que eles não são uma substância alienígena que devora cérebros, ou, pelo menos, não que a gente saiba. Em 1985 as leis que regiam o comércio de alimentos eram bem menos rígidas do que hoje em dia.
Sobra para os pais também, Jason (Scott Bloom) é um menino que vê “A Coisa” se movendo na geladeira, e a partir daí se recusa a comê-la, o que temos de admitir, é uma atitude sábia. Seus pais, completamente viciados no produto e com as mentes já dominadas por ele, tentam fazer com que o filho também coma. É normalmente o que acontece, não é? Crianças crescem se adaptando à alimentação de suas casas, e se os pais consomem refrigerante, doces e fast food em grande quantidade, os filhos também o fazem.
No filme, é Jason que tenta desesperadamente convencer a família que brócolis é melhor do que a sobremesa maligna. Detalhe importante a ser ressaltado, a mãe do menino afirma por mais de uma vez que “Stuff” tem baixas calorias, ela até comemora o fato de ter perdido dois quilos depois de começar a consumi-la. Doce, gostosa e não engorda, uma armadilha perfeita.
Temos também os empresários, que sabem de onde vem “A Coisa”, mas, ainda assim continuam vendendo, embora jamais a consumam; quando Rutherford consegue desmantelar a venda de seu produto, eles simplesmente criam uma nova versão que contém “apenas” uma pequena quantidade de “Stuff”, o suficiente para viciar, mas não para fazer mal ao consumidor.
Pois é amigo, eu já ouvi falar que quem trabalha em fábrica de salsicha e sabe o que vai nela, não come. Por isso eu faço questão de não saber!
E em sua última cena, com a venda de Stuff proibida, e todos sabendo o quão nociva ela é, vemos pessoas recebendo um carregamento ilegal do produto; é o diretor nos dando aquela cutucada marota, se há quem queira comprar, sempre haverá quem queira vender.
“A Coisa” é um filme trash, com baixo orçamento, atuações e efeitos ruins, mas que, ainda assim, consegue trazer algo de relevante em seu roteiro, algo que não dá para se dizer de muitos filmes que custaram uma fortuna.
E aí, você é a favor ou contra a legalização da venda de “Stuff”?